domingo, 8 de abril de 2007

O nosso Cordão

Hoje era daqueles dias que não deviam vir no calendário, que deviam ser passados em branco, que a memória devia apagar automáticamente como se fosse um virus.
Cheguei a casa, tomei um banho de água quente que pareceu demorar horas, vesti o pijama mais quente que tinha e deitei-me. Liguei o rádio, encostei a porta e apaguei a luz.
Depois disso fiz exactamente o que qualquer pessoa faz quando chega a casa, depois de um dia como este: Nada!
Quando chegaste, queria ter fingido que estava a dormir para não ter de te ver, não queria que partilhasses este dia comigo.
Mas acho que o nosso cordão faz-nos ficar ligadas como se fizesses parte de mim, de alguma maneira, é isso mesmo que sinto, que fazes parte de mim. Depois de sentir o teu beijo a única coisa disse foi:
- Não se passa nada, só tenho sono e estou cansada. Antes de saires volta a encostar a porta e a apagar a luz.
Depois de fazeres o que te tinha pedido com uma voz ainda mais fria que aquela noite, fechei os olhos e comecei, como por magia, lentamente, a perder a tristeza deste dia e com ele outras tantas memórias recentes que pairavam na minha cabeça.
Naquele momento, deixei de ouvir o rádio e a cama começou a parecer-me maior. A secretaria desarrumada e a televisão desapareceram e o chão estava cheio de legos e mais uns quantos brinquedos que me pareciam tão familiares. E por fim senti a mão quente. Eras tu que estavas ao meu lado a segura-la. Finalmente percebi o que se passou, agora eu era uma criança de 7 anos.
- Mãeeee, quando respiro parece que tenho muitos gatinhos dentro de mim. Se calhar são eles que não me deixam respirar nem dormir. Tu tens sono?
-Não princesa, não tenho.
-Ainda bem, assim não tenho de ficar acordada sozinha. Sabes, tenho um bocadinho de medo de ficar acordada sozinha.
-Eu sei, toda a gente tem medo de ficar sozinha. Mas eu não te deixo sozinha, nunca!
Daquela recordação passei para outra, e para outra, e para outra e nesse momento não era nada mais que um espectadora da minha própria vida. Os momentos passavam como se fossem cenas de teatro. Vi aflição com que ficaste quando caí pela primeira vez e fiquei com os joelhos em carne viva, vi-te sentada ao meu lado a olhares para mim quando a minha cara e o resto do corpo pareciam totalmente cobertas com pintas de tinta vermelha, vi-te a levares-me à escola no primeiro dia de aulas e até no hospital quando “os gatinhos” quase me cortavam a respiração. Vi-te a limpares as minhas lágrimas quando me apaixonei pela primeira vez e por fim vi-te a fazeres o mesmo quando eu achava que o mundo tinha perdido toda a sua cor...
E da mesma maneira que tinha começado aquela viagem, lentamente, voltei a ouvir a música, e como se o pano tivesse caído, acendi a luz e vi que todos os brinquedos tinham desaparecido mas que já havia secretaria e estava cheia de livros e folhas espalhadas. A televisão voltou e todo o desconsolo daquele dia também. Mas havia qualquer coisa que me acalmava o coração como se alguém me estivesse a fazer festas na cabeça... Não foi difícil perceber o que era: Gratidão!
Mais que nunca queria que estivesses ali, para te dizer o quanto me sentia agradecia por teres estado sempre do meu lado. E enquanto estava mergulhada em todos estes pensamentos ouvi, como a mesma voz carinhosa com que sempre me falavas quando sabias o quanto eu precisava de a ouvir:
- Posso dormir contigo? Trouxe a almofada!
Ainda comecei por me perguntar como tu sabias o quanto eu queria que abrisses aquela porta mas depois percebi que naquele momento, tudo o que menos importava era o porquê de estares ali. O importante é que estavas, e agora, naquele preciso momento, mais que nunca, eu podia dizer-te o que gostava de ter dito sempre.
Essa noite foi passada em claro, e desta vez não foi por causa “dos gatinhos”, nem das lágrimas e muito menos porque a cadeira do hospital era demasiado dura. Desta vez foi porque eu percebi que nunca é cedo demais para te dizer o quanto te respeito, amo e admiro e o quanto a minha vida está dependente da tua.
Não me lembro de um único momento que não estivesses do meu lado, mesmo quanto estavas fisicamente longe e também não me consigo lembrar de precisar de ti e não te sentir, a segurares a minha mão. Como eu te sou agradecia por isso!
Felizmente uma noite não chegou para te dizer tudo o que queria, ainda bem, uma vida também não chegaria para saber sozinha tudo o que aprendi contigo.
Obrigado por nunca cortares o nosso cordão...